No Cruzeiro
- tendapjalmas
- 26 de abr. de 2018
- 2 min de leitura
No Cruzeiro

O caminho só começa quando o caminhador se coloca a caminhar.
Por que eu comecei a caminhar, eu não faço ideia...
Para onde eu estou caminhando, não sei...
E é assim, há muitas e muitas luas, que eu só me coloco a caminhar.
Já vi muita coisa: já vi gente boa, já vi gente ruim, já vi gente ruim que só precisava de uma chance para virar gente boa e já vi gente boa, que nunca vai deixar de ser ruim.
E acabei entrando numa cidadezinha, de pé no chão, e parei diante de um cruzeiro, grande, e nesse cruzeiro um senhor negro sentado fazendo uma trança com uma palha longa, que me disse:
- “Bom dia, seu moço!”
E eu respondi, educadamente:
- “Senta aqui do meu lado”
Sentamos e ele começou a puxar prosa, que é o que se faz em toda cidade do interior, sem deixar de trançar a sua palha e eu aproveitei para massagear esse pé calejado e dolorido de tanto caminhar.
Ele olhou para o meu pé, pegou um pedaço da palha, me deu e falou:
- “Enrola no pé, filho, daqui a pouco passa”
Conversa vai e conversa vem, ele olha para mim e me pergunta:
- “Por que você chegou até aqui?”
- “Não sei... quando eu comecei a caminhar, passei por campos e campinas, tomei banho em cachoeira, nadei em riacho, cruzei a mata, peguei a terra molhada que fica entre o rio e a mata, senti o cheiro daquela terra, passei por montanhas, dancei no fogo cigano... quando peguei uma longa estrada o vento sussurrou no meu ouvido “entra ali, moço” e aí cheguei até aqui.
O vento disse que aqui eu encontraria a minha evolução.
O senhorzinho ri e diz:
- “Não filho, aqui não é a evolução, aqui é a consciência da evolução... cada paisagem que você viu, cada lugar que você cruzou, mudou você um pouquinho, não é aqui, nesse cruzeiro de nosso senhor, que você magicamente vai se tornar uma pessoa melhor, mas foi quando você colocou o pé no chão e decidiu caminhar, cada passo que você deu, cada paisagem que você viu, mudou o seu espírito e isso refletiu na matéria.
Mas pai, então se eu estou caminhando e o caminho me faz mudar, para onde eu vou?
E ele se levanta, bate a poeira da calça de linho branco e fala:
- “Vem filho, vou te levar para fora da cidade”
E conforme vamos andando, bem perto da saída da cidade, ainda possível de se ver o cruzeiro de tão grande que ele era, ele vira para mim e fala:
- “Você vai para o mar meu filho... vá até o mar, vá encontrar João, vá entender que seu caminho só começou... pega esta estrada aqui, filho, ela vai levar você para o mar”
Olho para a estrada e quando viro de volta para falar com esse senhor, ele não está mais, olho para o cruzeiro, olho para a cidade, e tudo o que eu ouço é o silencio...
Atotô Obaluayê
Axé
Paulo Henrique Zanin
Comments